SPOILER ALERT (O texto a seguir contém spoilers, então sugiro assistir o filme antes de ler a análise)
Muito do que nós psicólogos buscamos em nossa profissão, é mudar os olhares e pensamentos daqueles que sentem-se desajustados, desnorteados ou às vezes literalmente perdidos, com diferentes técnicas e abordagens, mas sempre com o mesmo propósito. E esta é uma das palavras chaves deste texto, no caso, deste filme, que abordarei na análise a seguir.
Não é segredo nenhum que a Pixar expressa esplendorosamente suas mensagens com suas animações e curtas metragens, e Soul cai de cabeça neste requisito. Joe é um professor de música que sonha em tocar profissionalmente numa banda de jazz, mas infelizmente sua vida termina, literalmente. Então sua alma ao negar sua morte, consegue chegar ao pré-vida, onde as almas recebem suas personalidades e se preparam para começar sua nova vida. Lá ele conhece 22, uma alma que não quer nascer e com sua ajuda Joe busca voltar a viver e conquistar sua missão de vida. A animação consegue facilmente expandir sua mensagem o tempo todo, desde a paleta de cores usada em cada cenário até a trilha sonora e é claro uma história emocionante que faz qualquer um chorar.
Sabe aquele momento da vida em que chegamos a perguntar “qual a missão da minha vida?”, é uma pergunta comum mas difícil de se responder e Soul buscou uma resposta. Para Joe sua missão era a música, o jazz em específico, guiando e moldando seu futuro. Só depois de morrer, basicamente duas vezes, Joe pôde finalmente sentir como é tocar numa banda de jazz. Sentiu o que esperou pela vida inteira, curtiu o que sempre sonhou, mas decidiu não permanecer na banda.
Ele percebeu que a vida não se resume ao jazz, nem mesmo à música, que ao conquistar o que sempre sonhou, não necessariamente vai sentir o que sempre esperou. Assim como a história do peixe e o ancião contado pela Dorotheia, demonstra que nem sempre aquilo que queremos será aquilo que esperamos. É muito provável que se Joe não tivesse experienciado toda essa aventura do filme, sua alma se perdesse assim como aconteceu com 22 e esta também teve que sentir a vida para saber o que é viver.
Como não temos real conhecimento de como é o pré e o pós vida, criamos teorias de personalidade construídas durante a vida. Para Sigmund Freud, desenvolvemos a base de nossa personalidade durante os primeiros anos de vida, mas é estabelecida ao chegar na fase adulta, chamada de Desenvolvimento Psicossexual, para Erik Erikson passamos por mudanças durante toda nossa vida, desde o nascimento até a morte, chamda de Desenvolvimento Psicossocial, mas Soul não utiliza nenhum destas teorias, ainda faz uma pequena piada com Carl Jung, no filme parte do princípio que nossas personalidades são criadas antes de nascermos. Como esta é a teoria utilizada, vamos analisar a partir daí.
Joe não tinha percebido que teve uma vida incrível, até ver que a sua missão não preenchia tudo o que viveu, por muito pouco esta missão se torna obsessão. Vamos supor que ele fracassou, como seria sua vida? Será que ele conseguiria encontrar outro propósito como Dez, o cabeleireiro? Essas perguntas podem causar ansiedade e medo, mas não precisam ter respostas ruins, com ajuda, elas podem ter soluções boas também, ajuda como a mãe de Joe, suas amigas, do Bicho Grilo, até mesmo da 22.
A 22, mesmo que não tenha nascido ainda, já possui personalidade, sendo assim, já possui sentimentos e emoções. Quando a 22 caiu no corpo de Joe, ela teoricamente nasceu, teve que aprender a andar, controlar seus movimentos, se adaptar no mundo caótico e barulhento, sentiu medo, angústia, alegria, prazer e muito mais, tudo em um só dia e ao perder tudo isso e perceber que não vai mais ter a chance de viver de novo, sua alma se perde em meio a ansiedade e obsessão de seu fracasso em não conseguir encontrar um propósito.
Sabe, de certa forma, um pouco poética, o psicólogo também busca ajudar a almas perdidas a reencontrar suas missões. Buscamos fazer um trabalho parecido com o do Bicho Grilo no espaço entre o físico e o espiritual. Claro, se fosse fácil daquele jeito, faríamos com certeza, mas com muito estudo e teorias, ajudamos as pessoas com suas dificuldades sociais e emocionais. As almas perdidas, pelo que demonstra no filme, ficam cercadas de pensamentos ou crenças negativas que as impedem de sair daquele meio, assim como na Teoria Cognitivo-comportamental, são nossos pensamentos que definem nossas ações. Se temos pensamentos negativos demais como “eu sou um fracasso”, agimos conforme este pensamento, do mesmo jeito que aconteceu com a 22.
Mas afinal o que é o propósito e a missão em Soul? Ao que o filme traz, parece que o propósito é o que você escolhe fazer com sua vida. Inicialmente imaginamos que os dois são a mesma coisa, como se tornar astronauta, ou fotógrafo, ou até jogador profissional de futebol preenchessem toda nossa vida. Mas se fosse assim, todos aqueles que não conseguissem conquistar este propósito se tornariam almas perdidas ou, quando conquistassem, não teriam mais motivos para viver, que no caso, não conseguiriam cumprir sua missão. A missão que tanto é falada no filme nada mais é que VIVER, é sentir, saborear, explodir, correr, andar, jogar boliche, cheirar a grama cortada, brincar, se queimar, chorar, sonhar, conquistar, perder, e muito mais.
Bom, se sua missão é viver, qual seria o propósito? Diferente da missão, pode existir mais que um propósito na vida, pois ele é mutável, podemos mudar nosso propósito da maneira que quisermos e o filme mostra isso com o Dez que tinha o sonho em se tornar veterinário, mas decidiu se tornar cabeleireiro por razões que são explicadas no filme. Assim podemos dizer que as pequenas coisas são o significado da vida, como as lembranças que a 22 guardou de sua viagem na terra e, assim como no jazz, a vida é uma improvisação. Improvisamos nosso dia a dia constantemente, como a 22 disse “Eu estava jazzando”.
Se você percebe que está com alguma dificuldade de lidar com algo, ou acha que está próximo a se tornar, ou já se tornou, uma alma perdida, busque ajuda, fale com alguém, sua mãe, sua amiga, até sua psicóloga, mas não deixe que esta obsessão te consuma.
E assim eu encerro este texto com as perguntas:
“Já encontrou o seu propósito?" “Está cumprindo sua missão?”
Edição by_YahVarella
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